O poeta me disse, certas palavras não podem ser ditas em qualquer lugar. A palavra tempo traz a espera do homem de que se há de servir para o presente. A presente é outra que não se ilumina de um só movimento, mas desfaz amarras e anuncia os passos do dia.
Os passos indicam que o corpo segue, segue uma linha tênue entre o caminho e as indicações provisórias da escolha.
O desvio também é uma escolha, um improviso da reta, registra a mudança de lado, o olhar de outra maneira. Seguir o desvio é um risco que nos atrevemos, o improviso que tememos deter certo cálculo.
Há certas provocações que limitam as contravenções do caminho. Nem todos desafiam os muros que cercam o horizonte, muitos os tem como um costume imperativo e necessário, outros os desejam como um sentido abstrato de resistência ao tempo.
O tempo... O tempo do homem e seus ponteiros não obedecem ao pulsar do corpo.
Não é o tempo das coisas, das árvores, das raízes, das folhas e flores e suas estações.
Guia-se pela dança solar de suas insinuações de claridade e sombrias confluências.
O tempo que me acusam merecer não se desvia de tantas estações, não se esfacela no silêncio das mãos.
Teimo as mãos que não cunham os caminhos, domam os como doma a terra entre os dedos, o homem.
O homem se compõe de naturezas, seus olhos permeiam as folhas e suas fotossínteses. O verde da relva desconstrói o cinza que o homem edifica.
O verde se desculpa da luz e a luz colore os dias. O sol, eu sei, desconhece esse murmúrio da arte.
Essa arte de umedecer os olhos, desabilitar as dores, secar os lábios, acelerar o pulso das coisas.
As coisas se confundem às paisagens que suspeitam. Estão dentro, ante, distante, amalgamadas em proporções ambíguas.
É assim que a vida se abre à vida. As janelas se abrem, as luzes se abrem, os livros se abrem, as literaturas se abrem, a palavra se abre e tudo mais se descobre entregue ao impossível.
O pensamento se abre no silêncio de uma lembrança, a imaginação permeia os sonhos e o corpo desliza sentimentos sem ou com poesia. O pensamento é uma poesia do improvável.
Presto minh’alma num movimento
Que está tão perto e está tão longe.
Nele um taciturno vazio se esconde
Que um dia ousei deitar ao vento.
As mãos se rendem à palavra como se se rendessem à terra. Dedilham com delicada ausência a extensão de sua textura. Arriscam maneiras de envolvê-la, imprimem com cuidado suas digitais.
O tempo é a paisagem do homem, é como um palco que espera o ator e sua emoção despida.
O tempo é a paisagem que repousa no homem e o homem repousa no tempo e o homem repousa o tempo, mas o tempo jamais adormece ao homem.
Só o olhar se encontra no invisível. Só o olhar torna o sentido palpável. Os olhos são as janelas do mundo. Só os olhos percebem o escuro do instante.
Nesse escuro tudo é essência e superficialidade. Para consenti-la descuidamos das estrelas e suas sombras a espera da manhã e suas iluminações.
A palavra tempo, à luz do dia, permeia cores altas, a escrita é coisa de contraste. É igual ao homem e os seus caminhos, sempre dispostos entre opostos.
A coisa homem abre as suas janelas às coisas outras e se desfaz em si mesmo para deslizar pelo feitiço de seus silêncios e de seus ruídos. Do tempo e do homem nasce o destino.
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