sábado, novembro 23, 2013

o homem ao lado

                                                                 a Paulo Guimarães




O homem tem passos soltos
e se aproxima.
O homem ri,
conta essa coisa toda da vida,
se ajoelha,
investiga.


O homem tem cabelos
e olha movimentos.

Tem no tempo humano da noite
universos distantes.


O homem tem manifestos, sopros
e cantos antigos.
O homem se interroga homem

e ri-se!

sexta-feira, novembro 22, 2013

pigmentos

     





                                                           a José Augusto Rocha


O sol da noite num piquenique, 
seu olhar demora feito nuvem clara, 
traz nos dedos borboletas, 
poeira nos calcanhares, tetas 
para alimentar sonhos, um leve
firmamento para inaugurar teus traços, 
curvas, curvilíneas, curvaturas, 
em cores de reduzir falsidades: 
claras, vivas, ternas... 
sua criatura celebrada em gotas!

quinta-feira, novembro 21, 2013

mortalidade



Não sou dono de terras, 
ruas, praças, estradas, 
nada detém o meu nome. 
Nasci para dar cheiro de palavra:
não dar o gosto, dar o cheiro!
Cheiro de barro, de pedra molhada,
cheiro de café com rapadura.
Meu nome não-preso a nenhuma lousa, 
sem denominar venda, casa, cemitério. 
Não sou doutor de nada eterno,
só a poeira do dia resta em meu suor... 
só os meus passos restam de meu ardor... 
só os olhos puxados do meu amor,
só o amor!

terça-feira, novembro 12, 2013

anjinho









Meu anjinho companheiro,
amigo de longa data:
perdoe o mal jeito
e as trapalhadas.
Eu ando sendo um sujeito
que predicado de burradas
vai perdendo o conceito 
e as palavras.

Meu anjinho querido
que a hora me alivia:
cuida dos meus amigos,
cuida da minha família.
Eu ando respirando rarefeito,
nem ar, nem água me sacia,
vou-me defectivo e imperfeito
resvalando na poesia.

Meu anjinho, meu igual,
minha luz diante das trevas:
presa por meu ideal
rege as minhas cancelas.
Eu ando me saindo mal,
entrando mal em desvios,
seguindo meio sem meios, sem sal,
venho topando desvarios!

r. aquino

no canto O Canto





Eu não sei se resisto e me calo,
se me lanço no espanto
e agonizo em tua face
ou sob protestos renuncio à alma
e te como a carne.


Eu não sei se te ouço
e me acabo,
se no centro do vácuo
eu te estranho,
ou se te pergunto:
a quem importa?


Tu, primeira pessoa singular,
assim meio torta,
respondes:

- Importa, eu que te amo!






                                                                                                primavera de 1999

desdobramentos óticos




Olhos a olhar


Ver sombras, crer que sombras são verdades.
Olhos, tão mais sensíveis que a mais sensível lente,
tão únicos, uma janela
um janela da alma.
Ver sombras, fotografar, escrever com a luz sombras.
Desnudar com a luz a sensualidade
da distância, do profundo, do foco.


                                Olhar             Objeto


Segundo o poeta Manuel de Barros,
o olhar vê, a memória revê, a imaginação transvê.
Eis os olhos da mente: imaginação.
“A poesia é a transfiguração!”

Como transfigurar em linha reta?
E o foco do pensamento,
num momento em que o mundo
é tanto foco, tão visual?
Pensar e ver da janela do mundo,
jamais apenas enxergar.
Muito pouco enxergamos,
quase tudo imaginações. Completando imagens partidas,

o lusco-fusco da sobriedade nervosa.  
Assim desenhamos o mundo em nossas casas, 
estendemos as lentes para secar 
e tentamos devolver as cores antigas à retina, com imaginações! 

sábado, novembro 09, 2013

cento e pouco, alguma coisa





Cento e pouco, alguma coisa:
estação perdida!
Única sonora radio difusora!
São ondas, são médias, são curtas?
O ponteiro quebrado não te acusa.

Cento e pouco vírgula dúvida:
estação tardia!
Envia-nos via íons o amanhã.
Difundida delícia da pronúncia,
a palavra deslizando na partícula.

Estação confusa!
Estrada cheia de curvas!
Um chiar fremente de relâmpagos,
uma canção para desfazer miúdas
perturbações de uma sintonia espúria.

Estação retórica!
O locutor perdeu a sua hora.
Estação clandestina!
Cento e pouco, alguma sina:
...
e esta canção feminina  que me fascina
...

Summertime!

as luas dos felinos







Leve e lindo
cada movimento tem sua admirável graça,
e entre os móveis vai se confundindo,
entre as roupas, entre os trapos,
entre os vários artefatos e os papéis de pesquisa.
Leve e adormecido
brinca com sua décima terceira lua,
sonha um sonho felino de noites negras
e aventuras de sumir de tudo,
de cochilar longe da imaginação dos homens.
Leve e leviano
banha-se em beijos e carícias,estica-se,
a sua armadura dócil e deixa os pêlos pela casa,
e deixa as marcas sobrepostas as outras marcas,
feito precipitações expostas de presença.
Leve e preciso
corre com sua nova lua, de algodão trançado:
lá se vai outro satélite, outra lenda,
ao fantástico mundo das bolas:

'praonde' elas vão

e nunca mais voltam!


segunda-feira, novembro 04, 2013

nós em resumo

                                                                                                  a Saulo Demichelli
Voltando
do centro das coisas caminhando
para jogar com a vida até o último centavo.
Saindo de cena danando-se para as regras
de quem educa números sem cores.
Ultrapassando movimentos de voar e de pousar
esferas no chão com mãos e forças.
Fazendo vibrar retas que ruidam sonhos
como quem desenha órbitas infinitas.
Rindo das águas que explodem nos mirantes
vazios de denúncia, apelo, alegorias.
Chorando por aniquilamentos surdos
e por instantes em que não somos além-outro.
Cantando a deusa do amor, embalados por registros
que não seguem corrompidos em papéis desertos.
Sendo como a noite dentro da noite, única
em líquidos e brasas e fragrâncias desfiantes.
Brigando por imagens mais puras de nossas imagens
e acreditando, sem razões acreditando um no outro.