sábado, setembro 27, 2008

o entregador de flores

foto de Sandra Cruz


Ela acha que a cura está em algumas palavras travadas por educação, que há força num sorriso triste. Ela acredita que pode dar voltas e voltas e voltas e tudo ser exatamente o mesmo, como se depois de oito estações o jardim ainda conservasse aquele brilho que ainda há na memória. Ela pensa que o destino é suave como eu fui outrora suave e como ela foi outrora precisa em seu golpe de tempestade e ressaca. Ela afirma tanta força em suas ondas que pode os olhos se abrirem, pode a boca vociferar, podem os ouvidos ser dor, pode a pele arder em chamas que nada restará às suas águas.Ela roga por cada gesto de cuidado empoeirado e hoje ambíguo e abre a porta devagar para não fazer barulho. Entrego o bouquet, sorrio, peço que assine a nota, agradeço e volto ao que preciso para mover minha alma pelos caminhos da gravidade: o dia é longo, ainda tenho muitas histórias para imaginar tateadas e muitas flores para entregar.
Eu acho.

quinta-feira, setembro 25, 2008

antídoto

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Mudo se fala
de tipos escuros
como se um nada
não fosse um tudo.
Nenhum discurso
um curso no abismo
uma muda do recurso
ambigüo como antídoto
desnudo como um afeto
reto e um tanto curvo!


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quarta-feira, setembro 24, 2008

Crer que a véspera da tragédia
indica um aviso,
um aviso qualquer, destino, premonição.
Crer que, alerta, qualquer um adormece
e quando menos se espera
faz juras.
Crer que há motivos que não se explicam,
feridas que esquecidas
não restam maculadas.
Crer que a crença é uma virtude
do egoísmo de crer no coletivo
do indivíduo.
Crer que os póstumos deslizes do ócio
são ósseos e sublimes
alicerçam!

domingo, setembro 21, 2008

Estranhos

a Moça Poeta



Se somos estranhos com olhos de ver o mesmo mundo,
com mãos de tocar os mesmos tecidos,
é por que somos humanos.
Se somos humanos com sonhos distante uns dos outros,
com um jeito tão distinto de ontem,
é por que somos presentes.
Se somos presentes com tanto resquícios que guardamos,
com tantos desejos de talvez algum dia,
é por que somos ausentes.
Se somos ausentes com ares de palavra doída,
com saudade e remorço e dias triste,
é por que somos sensíveis.
Se somos sensíveis com alma e sentidos,
com abraços apertados e sorrisos abertos,
é por que somos humanos.
E se somos humanos com erros e acertos do engano,
com medos e escuros escondidos,
é por que...
somos feitos com a textura do amor
e com amor, estranhamente, vivemos!



o alquimista

quinta-feira, setembro 18, 2008

Honório Causas

Honório Causas vacilou,
luta de classe e bebida.
Preferiu beber. A luta nada
trazia - eram escolhas perdidas!

Frutas podres na calçada
como idéias depois do carnaval,
H. C. , furto em seus olhos
com o esgoto e as valas

abertas, repletas de mandinga,
tubos de merda explícita e lodo
que Honório não crê, nem fita:
vai esquecer que tem nojo

Vai digerir como a farinha e o caldo,
repetir e sujar o seu fardo
e cheirar fumaça, matar os ratos
vacilo esse de beira de asfalto.


Honório Causas segue a onda,
a onda que já vai quebrar
levando o ponto fraco no rolo
até conseguir entornar.

Honório não quer sequer
o êxtase que a gula faz sentir,
quer seu direito pleno de beber
e as causas honóricas de partir!





11 de março

segunda-feira, setembro 15, 2008

imperalismos metafísicos da hermenêutica e os seus contrários místicos


o grito - e. munch


Tipos de propaganda afixiada num poste qualquer:
ele lia! Um tumulto em nome de algum ideal sem alma,
um anúncio de serviço terceirizado, resquício da última eleição,
propaganda esotérica, evento imperdível algum.
Periódicos num cesto no canto da sala de espera:
ela lia! Artigos de arte atacando a própria arte,
conceitos contra a imaginação, realidades de vanguarda ancestral,
resumos das telenovelas.
Correspondências diversas na caixa de correio:
todos liam! Santos ao orgulho eterno, o horóscopo de ontem,
heróis da última aquisição cosmética, novos móveis conceituais,
figurações partidárias, uma cobrança à realidade alheia,
um pretendente ao poder alheio.
E haja massa: farsas entre as letras ralas e rasas da última estação, entre os dedos articulados do último discurso, entre as descobertas raras do turvo futuro. Raro o pensamento sobre o quê imaginário... e imaginando o quase impossível aos semelhantes carpos, publicita: leiam-se!



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domingo, setembro 14, 2008

coisas feitas incompletas

Deixam pontas
essas coisas feitas incompletas,
essas respostas nunca dadas
ao tempo da deixa.


Incomodam resquícios
de movimentos cancelados,
desses verbos silenciados
no olhar do incomodo.

domingo, setembro 07, 2008

o malabarista

Na esquina de Gonçalves Dias
uma poesia de pau e fogo.

No sinal de Bias Fortes
uma política de olhos e equilíbrios.

Um corpo franzino que brinca
com a coisa séria do sustento,
que se sustenta na arte do cruzamento.

Meus olhos param, meu corpo pára,
meu coração pára e vocifera
contra o desiquilíbrio das ruas.

Minhas moedas para o café
queimam no bolso, preciso presentiá-lo
com o pouco que detenho.

Que sirva para alimentar o corpo
desse pequeno malabarista:
um metro e trinta centímetros
de coragem e persistência.

Já não sorri, mas o seu sonho,
percebo, é maior que seu molejo,
maior que sua arte de se mover
para os mundos trancados nos autos
a caminho dos tristes erários.

Na esquina da poesia
com a arte do cuidado humano
o malabarista ganha a vida
sobre o tráfego errôneo!

sexta-feira, setembro 05, 2008

para Marina Colassanti

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Fala com calma de palavra
Veste a túnica da semântica
Conta com alma de literatura
Aniquila a conduta da didática

Canta com a voz da litúrgia
Ouve com certa atenção cirúrgica
Encanta com ritos de fotografia
Mexe em Dumas e algumas alegorias

Tateia uma fantasia alheia
Toca com os dedos a filosofia
Amaina a manhã na sala fria
Retira-se na pressa à mineira.



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quinta-feira, setembro 04, 2008

aos meus irmãos: humanos esses!

Profundidade:
eu quero isso em mim
quando os meus irmãos
precisarem!

Sinceridade:
eu quero esse recurso
quando os meus irmãos
duvidarem!

Amizade:
Eu quero esse amor
sempre que meus irmãos
ousarem!

reflexos de algumas reflexões

.



Seja este dominante de sua fala,
diga cuidados sobre os outros,
coisas boas, boas palavras,
palavra-coisa de nunca prometer
sem se atrever a cumprir.
Seja esse que deseja e diz:
faça com que o seu corpo diga,
faça com que a sua alma diga: diga
ou grite o dito!
Seja a busca do infinito,
deixe a mente, de repente, buscar longe
outro tão rente, não atente
para a maldade, para adjacentes
que não se conservam alegres de estúpida
alegria e beleza,
busque, pense, conserve,
tenha cuidado com seu ego.



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segunda-feira, setembro 01, 2008

figura-fundo


stenographic figure (1942) - J. Pollock



sem reparar os reparos do seu olhar,
algumas mãos,
sem alguns toques,
nenhum retoque, retrato abstrato,
tudo é o seu nada
tão internamente precipitado,
que anulado o ato selvagem do criador angustiado
sobre o objeto criado,
o que resta não tem alma,
não tem corpo,
não tem rastro.
a angústia de um traço
imperfeito em seu espaço:
quão preciso seria um sol,
um mar,
escuros propícios e imediatos,
algumas ranhuras de alvo teor
e um tom de sangue entrecortado pelos carvões dos sonhos.
sem reparar os seus dedos a aparar
porções sem proporções desiguais desaguando
num trago amargo de bar
e noutras diluídas figurações,
nem pouco mar, um pouco vento
e tanto espanto
calando-se no canto
acinzentado
e .