sábado, outubro 26, 2013

não-ficção




Pontos luminosos
na rua escura
são meninos nas sombras
respirando vazios
amassando latas
iluminando caminhos
de Alice e seu mundo
de cores e de maravilhas

mentirosas.

quinta-feira, outubro 17, 2013

mãos que se calem!

As mãos se movem com a manhã,
faz que mergulha no rio o corpo ainda adormecido
de um outono quente e seco. Escorre gotas,
em vão as nuvens tentam permanecer na noite.
Eu conto as nossas estrelas imaginadas,
faço em conta como os ladrilhos coloridos,
eu conto os insetos no teto do nosso quarto,
como num parto nasço do silêncio do sonho perdido.
Tenho impróprio a delicadeza do desjuízo
olhando ausente o que desperta atrás da porta,
nesta memória um conto pensa que é segredo,
e calado escondo a mão da palmatória.
Teimo que minha situação seja vexatória,
sem ganhos e sem rasgos, com poucos centavos,
as mãos prolongam-se sobre o teclado
e tecem sentimentos fragmentados, pequenos delitos,
homenagens desesperadas e alguns espaços.
Chove! É tarde! Ocaso!
E a noite é um hiato!


os traquejos que cantamos

o amor não é bem um traquejo! não pôde ser ofício.
daí a ideia de fazer traquejos acerca do amor.
dizem as más línguas que o poeta é um artesão disso tudo,
com traquejos precisos! Pura tolice!
Só os amantes são capazes de cantar o amor
com qual traquejo!
e disto fica dito: os poetas foram unicamente acusados
por amarem em demasia! Por traquejarem o amor
em poesia!

à palavra

Ora, ora, se não és tu que me torna d'outrora,
de um dia mais azul ou menos azul?
Se não eis aqui e agora ao deleite inquieto
da saudade ou do remorso da presença?
Se, então, não sois um tremor algum em meus passos,
uma direção oscilante e um destino insólito?
Se não sois a própria extensão de meus olhos,
meu lance secreto com o olhar e o seu instante?

Embora tua presença não me falhe à memória,
és em tua ausência a ausência desse canto.
Meu silêncio pronuncia teus tantos nomes,
minha boca se apraz do som de tua retórica,
minhas mãos despertam à tua leveza insone,
meu corpo treme em tua natureza afora.
Tenho tantas estações desfeitas em ti,
e a mim te entregas entorpecidamente nova!

E agora, depois de tantas e tantas desnudas auroras,
vens me tirar o ar, vens me verter confuso,
vens desfazer tudo que decerto depositei
créditos e esperanças, ainda que tardias.
Decides em mim e por mim que hoje agora,
depois de dois ou sete goles de uma curtida,
depois de alguns tragos, algumas bolas, apareces assim
nascitura dos encantos de uma lisura poética!

o nome dos traquejos

qualquer nuvem sem vento é um traquejo!
uma simples folha sobre a água e
a imaginação de um barco n'água e 
à água uma ilusão.

aquela pedra estúpida é um traquejo!
a areia fina na sola de seu sapato e 
a poeira que pousa sobre a mobília e 
os fragmentos de uma cerâmica qualquer.

e assim os traquejos ganham identidade,
são chamados, profetizados, proferidos:
traquejos são signos esquecidos... 
eu mesmo serei um traquejo?

quarta-feira, outubro 09, 2013

Desenha-me um poema?


- Desenhar um poema? Um poema não é para ser desenhado!
- Por quê?
- Por quê? Por que ele é para ser escrito, lido e recitado.
- Escrever não é desenhar?
- Não. Não necessariamente. É. Às vezes é sim um desenho.
- Então, desenha-me um poema?
- Mas desenhar um poema e diferente de desenhar uma palavra.
- Por quê?
- Por que é, ora bolas!
- Você disse que o poema é feito de palavras e se pode desenhar palavras.
- Sim.
- Pode então desenhar um poema.
- Não. Temos regras para escrever um poema. É mais um cubismo que um desenho...
- O que é cubismo?
- São figuras geométricas aplicadas à pintura. Como se fosse isso aqui!
- Mas isso é um desenho.
- Sim, um desenho feito de figuras geométricas angulares.
- Então isso é um poema?
- Não, ainda. Um desenho bonito tem curvas e um poema não.
- Para que serve um poema e uma curva?
- Para retirar o pensamento da mesmice da reta.

- Não chore. Venha. Vou desenhar para você um passarinho.
- Um passarinho não é um poema.
- É sim, só que é um poema que voa! Isso! Vou desenhar um poema!
- Com cores?
- Com muitas cores!




deformações em dias cinzas

Eu já não vejo o pássaro verde,
já não espero por boas notícias.
Meus irmãos seguem sorrindo ,
satisfeitos com os dias nublados.
Eu me sinto um indesejado entre outros,
aquele que grita e deve ser calado,
um soco com carinho, sem nojo um escarro,
eu sinto que meu caminho segue delgado,
afunilando qualquer esperança
e antes que a tarde se apresente e apresente
a noite escura de sonhos baldios,
escrevo alguma palavra que não tenha o menor  sentido.
Do meu quintal, debaixo de chuva, vejo a Serra,
penso no alto, penso no caminho. Subi-la para quê?
Cá estão as luzes, as vias molhadas, meu desatino,
e o vento frio assovia. Eu não vejo ou não quero ver
o mal nascendo entre os meninos da noite.
Envelheci e vou me despedindo de coisas
e vou me prendendo ao meu verso
como um menino à sua nova brincadeira.
Vou contornando praças e jardins,
e olhando para o céu, atravessando ruas vazias...
eu já não vejo o pássaro verde, quiçá um urubu pintado!