Ora, ora, se não és tu que me torna d'outrora,
de um dia mais azul ou menos azul?
Se não eis aqui e agora ao deleite inquieto
da saudade ou do remorso da presença?
Se, então, não sois um tremor algum em meus passos,
uma direção oscilante e um destino insólito?
Se não sois a própria extensão de meus olhos,
meu lance secreto com o olhar e o seu instante?
Embora tua presença não me falhe à memória,
és em tua ausência a ausência desse canto.
Meu silêncio pronuncia teus tantos nomes,
minha boca se apraz do som de tua retórica,
minhas mãos despertam à tua leveza insone,
meu corpo treme em tua natureza afora.
Tenho tantas estações desfeitas em ti,
e a mim te entregas entorpecidamente nova!
E agora, depois de tantas e tantas desnudas auroras,
vens me tirar o ar, vens me verter confuso,
vens desfazer tudo que decerto depositei
créditos e esperanças, ainda que tardias.
Decides em mim e por mim que hoje agora,
depois de dois ou sete goles de uma curtida,
depois de alguns tragos, algumas bolas, apareces assim
nascitura dos encantos de uma lisura poética!